Do estranho demônio do amor
Não faço poemas para o mundo
Sou dos poetas egoístas
Que escrevem para as gavetas
A quem basta, por meio dos versos, compreender-se.
E assim é que nesta manhã cinza
eu sento mais uma vez à janela
E espero, ao findar-te, poema,
Sair daqui mais sóbria, mais livre
Sem esta pulsão de torpor e sangue,
Que sendo vida demais quase me impede
de respirar sem sufocar-me
de dormir sem sobressalto
de comer sem enjoar-me
Eu... que nem mesmo olhava a paixão com olhos de cobiça,
Que vivia, soturna, uma planície infinda
de amores-amigos
Eu...que me vangloriava entre os amantes
De bastar-me do amor as grandes obras escritas
De, sendo poeta, ainda que egoísta,
bastarem-me as rimas inspiradas
em romances de outros...
Eu...que agora me vejo entre a mágoa e a míngua
Querendo do amor, comê-lo inteiro
Querendo de um homem sua carne, seu pêlo,
seu prazer e seu descanso.
Eu...Que sempre fui a leveza,
Quero mais do peso que faz curvar
Quero vê-lo em transe, em titubeio
Quero vê-lo cair, hesitar.
E quero tê-lo, por inteiro, nesta fraqueza,
Neste incessante desejar
Quero dar-lhe colo, quero sê-lo
Tanto que não se reconheça mais
fora de mim
Tanto que não sejamos
sem sermos dois
Tanto que eu lhe deseje matar
e matando-o de angústia, de medo e de amor
Ah... Eu reviva!
Ah... Eu possa voltar a respirar!