quinta-feira, 8 de julho de 2010

Canção do amor exigente ou "Poesia de letra e carne"

Canção do amor exigente




Quero a palavra que se insinua


entre teu lábio e a língua.


Quero prová-la crua,


despreocupada com a rima.




Quero tomar-te idéias e revê-las,


como livros que, emprestados,


rabisca-se as bordas, reescreve-se,


devolver-te idéias novas.




Quero a fusão ideal


da tua linha rebuscada


com meus versos caseiros


cheios de pudores.




Quero, após, um passo além...




Depois da palavra, o hálito.


Depois da idéia, a escrita.


Depois do pudor, o ato.


Depois da fusão ideal, a real.




Transformar tuas idéias em minha carne.


Inverter teus pensamentos em minha matéria.


Suplantar tua memória em meu perfume.


Converter tua lembrança em minha presença.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Da série "Poesia feita em casa"

Do estranho demônio do amor




Não faço poemas para o mundo

Sou dos poetas egoístas

Que escrevem para as gavetas

A quem basta, por meio dos versos, compreender-se.



E assim é que nesta manhã cinza

eu sento mais uma vez à janela

E espero, ao findar-te, poema,

Sair daqui mais sóbria, mais livre



Sem esta pulsão de torpor e sangue,

Que sendo vida demais quase me impede

de respirar sem sufocar-me

de dormir sem sobressalto

de comer sem enjoar-me



Eu... que nem mesmo olhava a paixão com olhos de cobiça,

Que vivia, soturna, uma planície infinda

de amores-amigos



Eu...que me vangloriava entre os amantes

De bastar-me do amor as grandes obras escritas

De, sendo poeta, ainda que egoísta,

bastarem-me as rimas inspiradas

em romances de outros...



Eu...que agora me vejo entre a mágoa e a míngua

Querendo do amor, comê-lo inteiro

Querendo de um homem sua carne, seu pêlo,

seu prazer e seu descanso.



Eu...Que sempre fui a leveza,

Quero mais do peso que faz curvar

Quero vê-lo em transe, em titubeio

Quero vê-lo cair, hesitar.



E quero tê-lo, por inteiro, nesta fraqueza,

Neste incessante desejar

Quero dar-lhe colo, quero sê-lo

Tanto que não se reconheça mais

fora de mim

Tanto que não sejamos

sem sermos dois

Tanto que eu lhe deseje matar

e matando-o de angústia, de medo e de amor

Ah... Eu reviva!

Ah... Eu possa voltar a respirar!