segunda-feira, 5 de julho de 2010

Da série "Poesia feita em casa"

Do estranho demônio do amor




Não faço poemas para o mundo

Sou dos poetas egoístas

Que escrevem para as gavetas

A quem basta, por meio dos versos, compreender-se.



E assim é que nesta manhã cinza

eu sento mais uma vez à janela

E espero, ao findar-te, poema,

Sair daqui mais sóbria, mais livre



Sem esta pulsão de torpor e sangue,

Que sendo vida demais quase me impede

de respirar sem sufocar-me

de dormir sem sobressalto

de comer sem enjoar-me



Eu... que nem mesmo olhava a paixão com olhos de cobiça,

Que vivia, soturna, uma planície infinda

de amores-amigos



Eu...que me vangloriava entre os amantes

De bastar-me do amor as grandes obras escritas

De, sendo poeta, ainda que egoísta,

bastarem-me as rimas inspiradas

em romances de outros...



Eu...que agora me vejo entre a mágoa e a míngua

Querendo do amor, comê-lo inteiro

Querendo de um homem sua carne, seu pêlo,

seu prazer e seu descanso.



Eu...Que sempre fui a leveza,

Quero mais do peso que faz curvar

Quero vê-lo em transe, em titubeio

Quero vê-lo cair, hesitar.



E quero tê-lo, por inteiro, nesta fraqueza,

Neste incessante desejar

Quero dar-lhe colo, quero sê-lo

Tanto que não se reconheça mais

fora de mim

Tanto que não sejamos

sem sermos dois

Tanto que eu lhe deseje matar

e matando-o de angústia, de medo e de amor

Ah... Eu reviva!

Ah... Eu possa voltar a respirar!

3 comentários:

  1. Tudo bem que as gavetas sejam lugares queridos e merecedores de nossa atenção, mas, querida amiga Ruiva, esta poesinha tem uns pedacinhos tão fortes, que ela não pode ser oferendada somente às traças! Compartilhe mais do que há nas tuas gavetas com estes outros animais aqui.. Beijos!

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  2. Pois é carolinda... e sabe que o amor é assim mesmo pra mim? Ele não me lembra alegria leve, cores cândidas e cheiro de alfazema. Ele se aproxima dos sintomas da cólera, assim como para meu primo distante, o Garcia Marquez, heheh. Não é rosinha, mas rubro, sanguinolento, cheio de pulsões de morte. E pra ti? É assim também?

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  3. Parabéns pelo Blog!
    Como um vento chucro e quente...
    Adorei!

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